Ficha Técnica do Livro
- Título: A Sombra do Torturador (Tetralogia do Livro do Novo Sol #1)
- Nome do autor: Gene Wolfe
- Tradutor: Maria de Lourdes Medeiros
- Nome da editora: Publicações Europa-América
- Data e local de publicação: Portugal, 1981;
- Número de páginas: 280 páginas;
- Gênero: Fantasia Científica;
- Sub-Gênero: Morte da Terra (Dying Earth);
- Nota: ★★★★★ (5!)
Estamos convencidos de que inventamos os símbolos. A verdade é que são eles que inventam a nós. Somos criaturas suas, moldados por suas arestas fortes e incisivas.
A Sombra do Torturador (The Shadow of the Torturer) é o primeiro livro da Tetralogia do Livro do Novo Sol, de Gene Wolfe. É considerado por muitos um dos melhores livros de Fantasia Científica já escritos, um gênero que combina elementos da ficção científica com a fantasia. Este primeiro volume relata a história de Severian, um aprendiz na Ordem dos que Procuram a Verdade e a Penitência (a Ordem dos Torturadores) e os eventos que o levaram à sua expulsão da Ordem e sua jornada para fora de sua cidade natal de Nessus. O estilo é o da narrativa em primeira pessoa, onde Severian – que alega possuir uma memória eidética (fotográfica) – conta sua história situada em um futuro muito distante, quando o Sol enfraqueceu transformando a Terra em um mundo frio e moribundo. Os livros dessa série são os seguintes:
- A Sombra do Torturador (The Shadow of the Torturer);
- A Garra do Conciliador (The Claw of the Conciliator);
- A Espada do Lictor (The Sword of the Lictor);
- A Cidadela do Autarca (The Citadel of the Autarch);
- Urth do Novo Sol (The Urth of the New Sun) – Este último é uma espécie de epílogo para a história de Severian.
Gene Wolfe (83 anos) não é um autor de best-sellers, fato que explica o completo desprezo das editoras brasileiras. Apesar disso ele é muito elogiado pela crítica e é reconhecido no meio literário como um dos maiores escritores vivos da língua inglesa, dono de uma prosa densa, rica em elementos alusivos e sem apego à convenções de gêneros literários. Neil Gaiman o considera possuidor de um “intelecto feroz”, Swanwick disse que Wolfe é “o maior escritor da língua inglesa vivo atualmente” e Disch considerou O Livro do Novo Sol como “uma tetralogia sofisticada, inteligente e suave.”
Os quatro volumes do Livro do Novo Sol são povoados por referências e metáforas cristãs, especialmente católicas – Gene Wolfe é um católico praticante – mas o leitor não precisa conhecer nada de teologia para aproveitar o livro pois essas referências ficam restritas ao background da história.
Um exemplo do uso de símbolos e referências católicas neste livro é o de Santa Catarina de Alexandria que foi presa por censurar a perseguição aos cristãos pelo imperador Maximino Daia. O imperador convocou 50 dos maiores sábios do mundo para convencê-la de que ela estava errada, e que deveria negar o Deus dos cristãos. Mas os argumentos de Catarina era tão eloquentes e convincentes que foi ela quem acabou convertendo os sábios ao cristianismo. Após a tortura Santa Catarina foi decapitada tornando-se uma das maiores mártires do católicos. Ironicamente a santa é apresentada como a padroeira dos Torturadores, e Severian, assim como os sábios da lenda católica, acaba traindo sua Ordem ao mostrar misericórdia à uma exultante da nobreza geneticamente alterada de Urth. Essa “traição”, acaba levando à jornada do exílio de Severian.
Antes de ser expulso para o exílio na longínqua cidade de Thrax, ele recebe de seu mestre a espada Terminus Est, uma impressionante espada, com a ponta quadrada, guarda mão de prata com duas cabeças entalhadas, punho de onyx com fita de prata e uma opala na ponta. As palavras Terminus Est gravadas em sua lâmina significam Esta é a Linha de Divisão. No meio da lâmina existe um canal por onde corre um metal líquido chamado de hidrargiro, mais pesado que o ferro, e que ao erguer a espada acima da cabeça desloca-se para a próximo do punho, e ao descer a espada desloca-se para a ponta, auxiliando o executor a manter o equilíbrio caso seja necessário manter a espada erguida durante muito tempo até o término de uma oração ou a ordem de um inquiridor.
Abro um parênteses para comentar algo sobre o sub-gênero dessa história, o pouco conhecido Morte da Terra (tradução livre de Dying Earth) que difere do popular sub-gênero pós-apocalíptico por não tratar de uma destruição catastrófica, mas sim de uma exaustão entrópica da Terra. O primeiro livro desse gênero foi Le Dernier Homme (1805) que narra a história de Omegarus, o Último Homem na Terra, que mostra uma visão de futuro onde a Terra tornou-se completamente estéril. Outros autores modernos também escreveram excelentes livros nesse sub-gênero, como Arthur C. Clarke em A Cidade e as Estrelas (1956) e George R. R. Martin em Morte da Luz (1977).
A edição portuguesa, possui alguns erros de tradução e vários erros tipográficos, além de não possuir o apêndice que existe na edição em inglês: Social Relationships in Commonwealth. Esse apêndice apresenta, de forma sucinta, a curiosa divisão da sociedade de Urth (uma corruptela para Earth) em sete grupos básicos, entre eles: exultantes, armigers, optimates, religious, pelerines e cacogens. Mais tarde descobrimos que existem mais de 135 classes na complexa sociedade de Urth, algumas com números muito reduzidos como a dos Conservadores, responsáveis pela conservação dos livros da biblioteca de Nessus e manutenção do Jardim Botânico, uma espécie de museu vivo com ecossistemas há muito tempo extintos. Em meio à narrativa podemos entender melhor os papéis desses grupos e é fascinante como o autor consegue apresentar essa estranha sociedade de forma natural e convincente, utilizando-se da visão de Severian, agudamente sensível às impressões do mundo exterior, propiciando uma narrativa extraordinariamente enriquecida pelas reflexões do seu narrador.
É um livro extremamente difícil de encontrar no Brasil e em Portugal, pois existem poucas cópias no mercado de usados. Após buscas exaustivas localizei todos os livros da série: A Sombra do Torturador (Livraria Traça, R$23,27), A Garra do Conciliador (Estante Virtual, R$26,42), A Cidadela do Autarca (Estante Virtual, R$45,16), e o mais difícil de encontrar foi A Espada do Lictor (wook.pt, R$96,86 já incluindo o frete internacional).
Muito mais que uma simples fantasia épica, O Livro do Novo Sol é uma obra como poucas, escrita com qualidades estilísticas inquestionáveis que criaram um mundo cruel mas ao mesmo tempo fascinante e merecedor de nossa atenção. Se você tiver sorte de encontrar esse livro não pense duas vezes, é um livro obrigatório para qualquer estante de ficção!
Acho muito interessante a ideia desse livro, quero ler esta saga um dia! Mas acredito que em ingles seja melhor. Quanto ao genero, nao poderia se chamar de ficção pós-apocalíptica? Me soa mais sci-fi do que fantasia em si. Não é so por conta da historia se passar em um ambiente com caracteristicas mais medievais que é fantasia certo? Afinal, é um futuro distante na terra.
Olá Cezar,
Até que a tradução em português de Portugal está boa! O vocabulário diferente dos portugueses ajuda a criar um clima de estranheza na narrativa. Mas se você lê bem em inglês realmente não deveria procurar muito essa edição portuguesa.
Não acho que o gênero poderia ser considerado pós apocalíptico, pois não houve nenhum evento catastrófico, guerra, praga ou invasão alienígena que estaria causando a morte da Terra ( Urth). É uma exaustão do sol, e uma morte lenta das espécies, inclusive do homem. A humanidade está perfeitamente adaptada a essa nova realidade da Terra, não é algo parecido com a luta pela sobrevivência típica dos livros pos-apocalipticos. Algo como o ocorrido no livro de Arthur C. Clarke, A Cidade e as Estrelas, onde apenas uma cidade isolada restou em um planeta desértico.
Uma das características mais interessantes dos livros dessa série é justamente que não ocorreu uma simples regressão à um sistema social e uma tecnologia típica da era medieval. Na verdade o conhecimento e a tecnologia não estão de todos perdidos, apenas são sonegados pelo governante, conhecido como Autarca, e existe um rebelde chamado Vodalus que pretende trazer a época das viagens espaciais de volta. Ou seja, não se trata de uma regressão à era medieval, com a perda do conhecimento e tecnologia e volta do feudalismo, como pode-se ver em Cântico para Leibowitz (que ainda considero o melhor livro de ficção pós apocalíptica). Simplesmente a humanidade se transformou e o mundo ficou estranho e um tanto parecido com a idade média. Concordo com a classificação do livro como fantasia científica, mas entendo sua dúvida, pois a diferença é sutil e em alguns momentos Wolfe parece que pretendeu escrever um livro de fantasia puro, em outros uma ficção científica. Justamente essa indefinição entre os dois gêneros é uma característica da fantasia científica. Outro livro famoso que segue a mesma linha é A Princesa de Marte, de Burroughs!
onde posso adquirir o livro?
Infelizmente só existe uma edição antiga de Portugal. Não existe em epub.
Queria muito ler essa saga, mas os livros não parecem existir em lugar algum. Os únicos que encontrei estão na faixa dos 300 reais, e só do primeiro. É surreal que não haja uma única tradução brasileira desse autor, quando muitos o colocam no mesmo nível ou até acima do Asimov. Enfim, só resta chorar. Pensei em arriscar uma tradução amadora, mas confrontar uma história tão densa e profunda parece um desafio que vai além das minhas capacidades… Um dia, quem sabe, uma editora brasileira abrirá os olhos para Gene Wolfe.